Click Literário

Ideias, histórias & umas mentiras sobre fotografia

Livro pra que te quero?

Sou um apaixonado por livros.

Sou um apaixonado por livros de fotografia. E de literatura. E de arte. E pelas HQs, e livros de história, e pelos livros que fazem pensar, e também os de viajar. Apaixonado por livros baratos, e pelos caros também. Apaixonado por QUALQUER LIVRO.

Sou um apaixonado pelos livros só de letras, e pelos que têm figura, ilustração ou afim. Sou um apaixonado pelos livros sem letras e sem figuras – sim, existem! Sou apaixonado pelo conteúdo e pela forma do livro. Sou apaixonado pelos tipos de papéis, tipografia, sistemas de impressão, encadernação, capas & efeitos & texturas & tintas especiais. Não entendo de tudo isso, mas sou adoro.

Dito isso, vamos aos fatos:

Quando eu fazia mestrado na Alemanha – uiuiui, que metido! NADA DISSO! Era estudante e bolsista! – eu adorava as bibliotecas e as livrarias, e bem na saída da Bonn Universität, onde eu pesquisava, tinha uma livraria que eu visitava bastante. Às vezes até comprava! A cada dia que caía a bolsa na minha conta, eu ia lá comprar um livro do Calvin e Haroldo (Hobbes, lá na Deutschelândia, mas não consegui completar minha coleção auf Deutsch, preciso voltar…) e outros de fotografia e literatura alemã, que eram meus temas de estudo. Na prática eu escolhia buscando um equilíbrio entre conteúdo e preço, e se esse último era muito tentador, já me ganhava.

Os alemães fazem poucas promoções, mas valem MUITO! Com livros não era diferente. Um dia achei um balaião, desses no meio do corredor, com vários livros muito, muito baratos. Achei este, capa dura, seus 30 cm, com ESSA assinatura editorial aí e com “as mais impressionantes paisagens do mundo”:

Tinha 500 e tantas páginas, uma foto mais impactante que a outra, coisa linda que dificilmente eu conseguiria comprar aqui no Brasil. Conferi o preço: 9,99 euros.

Isso era 2008, o euro estava menos de 3 reais. Eu arredondava pra facilitar a conta, e aquela relíquia estava saindo por TRINTA REAIS, uma bardada! E a minha bolsa de pesquisa era do governo alemão, eu recebia em euros, dava pra comprar fácil e seria muito útil em futuras aulas de volta ao Brasil. Uma bela lembrança, ainda por cima! E assim, baratíssimo, num balaio. Aliás, um balaião alemão, que oferece umas pontas de estoque, alguma obra meio parada, outra rara, algumas com detalhes de impressão, essas coisas, mas tudo em muito, muito bom estado. E eu tinha achado aquela PÉROLA! Meu primeiro livro com imagens da National.

Ganhei o dia, a semana e o mês com aquele achado, e nem procurei mais livros ali, tratei de ir pro caixa duma vez respeitando a sorte com que o destino tinha me agraciado.

Sim, eu estava emocionado!

Cheguei sorridente no caixa, alcancei o livro pra moça que pegou e girou para os lados, conferindo o livro, e com sua delicadeza germânica informou:

Não posso te vender esse livro. Mais alguma coisa?


Toda minha emoção se foi. Meu pouco domínio da língua alemã foi junto, e antes que eu pudesse perguntar algo fui lembrando

como é dura a vida do estudante... mesmo na gringa, estudando fora, conseguindo se sustentar com uma bolsa de pesquisa do governo, super dedicado pra fazer bonito por lá e também na volta pro Brasil, querendo carregar uns materiais diferenciados, ainda mais quando são baratos assim... cara, que vida dura! Alegria de pobre dura pouco mesmo, né? Alguma coisa tinha que dar errado, eu já devia imaginar... 


Enfim consegui respirar fundo e perguntei pra moça: “por que não pode me vender?”
E ela apontou aqui na lombada, naquele amassado e rasgado que eu já tinha visto e até achado charmoso:

Está estragado. Nossa livraria não pode vender um livro assim. Esse vai pro lixo.


Respirei fundo, juntei o que me sobrava da “bela, porém notoriamente esquiva, língua alemã”, como já bem apontou o brilhante João Ubaldo Ribeiro, e tentei explicar que eu era brasileiro, que livros no Brasil são bem mais caros, e este seria ainda mais raro, que por mim não tinha problema algum aquele amassado ali, não põe no lixo não moça, o livro ainda está muito bom, é um livro de fotos ainda por cima, pra mim tá ótimo assim e pode me vender que eu vou ficar felizão e vou carregar pras minhas aulas no Brasil e não conto pra ninguém que a sua livraria me vendeu esse livro, tá bom?

Isso tudo eu ACHO que expliquei pra ela, que entendeu alguma parte e me olhou desconfiada: “Tem certeza que vai querer?”

E eu: “sim, eu tenho CERTEZA que gostaria de comprar esse livro!”

E ela:

Então deixa eu ver esse preço. Aqui: 9,99? Não, não pode ser. Vou te dar um desconto pelo amassado: fica por 0,99.




Sim, senhoras e senhores, eu comprei uma relíquia da NatGeo de 500 e tantas páginas lindonas por menos de 3 reais. Três reais? Três reais!

E agora tá aqui comigo, segue amassado ali do lado, às vezes eu uso em alguma aula, e se você quiser tá aqui pra conhecer também, só combinar.





Tudo isso eu pensava nestes dias com essa celeuma sobre a possibilidade de rever os impostos sobre o livro nesta reforma tributária que o ilustre governo federal está a planejar. De minha parte, qualquer coisa que esteja sendo avaliada hoje em dia sobre Ensino e Educação – e livro é isso, não é ARMA! – eu já vejo com muito receio e atenção, ainda mais por este ilustre governo, mals aí…. Pelo que vi até agora, ainda é apenas uma ideia (seria a já tradicional técnica do bate-assopra?), assumida recentemente num “perguntas & respostas” oficial, de unificar algumas taxas/impostos e com isso alguns produtos vão se dar bem, e outros nem tanto. Livros teriam seus preços aumentados, ora veja que coisa hein?, e uma das brilhantes justificativas é, em bom português, que POBRE NÃO LÊ LIVRO.

Cara, eu nem sei o que é mais REVOLTANTE, se a unificação dos impostos do livro que aumentariam o preço, se a justificativa IMBECIL ou se alguém tentando DEFENDER A SÉRIO uma proposta ÓTIMA COMO ESTA. Afinal se tem coisa que o Brasil não precisa, nem agora nem no futuro, são livros, pra quê, né? Bibliotecas, espaços públicos, acessos & ações de incentivo à leitura a todas classes, pra quê, né? Reconhecimento das boas práticas, em diversos espaços e com diferentes sujeitos, pra quê, né? Bem mais fácil, rápido e prático, justamente de pessoas que não valorizam a educação, é culpar O POBRE DE NOVO, nuns argumentos tortos e baseados em estatísticas idem. Ê fundo do poço!

Como bem resumiu o grande fotógrafo, professor e curador (e outras funções fotográficas!) Juan Esteves em um post recente:

“A ideia é simples! Primeiro, impedem as crianças e jovens de se educar, colocando ministrominions ignorantes e homofóbicos.
Aí aumenta-se os impostos sobre livros, que já são altos, impedindo parte da população, que conseguiu passar por esse programa de ensino lamentável, de aprimorar seus conhecimentos lendo.
Terceiro, satisfaz essa gente que tem ódio de pessoas cultas. Que vão continuar achando que a terra é plana ou que cloroquina é a salvação para quem tem pegou covid.
Por último controla-se a massa ignorante, eleitores e simpatizantes do bozo, de ter uma chance mínima de aprender algo melhor do que comprar armas ou ser corrupto.”

Eu assino embaixo.

E tudo isso também me faz lembrar esse comercial clássico, da Tostines:

E aí o pobre não lê porque é pobre, ou é pobre porque não lê, ou justamente quando tenta ler, quando começa a ler, quando pode estudar, quando incentiva a leitura passa a não poder mais ler?

Desculpe o peso do tema, mas como apaixonado por livros que sou, acho importante pensar e registrar uns pensamentos sobre isso também. De toda forma, boas leituras para todos, e bons clicks!

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