Prelo é o nome que se dá a uma antiga “impressora”, vá lá, ainda nos tempos do titio Gutenberg, o da Galáxia, conhecido como inventor da imprensa. É meio que um “carimbo gigante” que se aplica no papel e com isso pode-se “imprimir”.
Diz-se “no prelo” algo que está em andamento, ainda não publicado ou finalizado, que poderá sofrer alterações até sua versão final.
Lembrei disso porque estive deveras envolvido com um texto que será publicado numa coletânea muito massa, de uma editora ainda mais massa, de nome tão massa quanto as encadernações manuais & outras artes que fazem, a Editora Bodoque, visita lá.
Abriram uma chamada sobre processos criativos, e eu estarei discutindo… fotografia (ooooohhhhh) a partir do que pesquisei no uiuiui Doutorado:
Então daqui a pouco vai ter livro novo saindo, aaaaeeeeeee, mas enquanto isso veja as coisas lindas da Bodoque aqui também e leia abaixo um trecho do texto que vou apresentar, cujo foco não é o instante decisivo, mas pareceu um bom recorte pra publicar aqui, inclusive com esse bom título de subitem que eu gosto muito, porque parece (é um pouco, na real…) que estou chamando titio Bresson pra briga, né não?
Abaixo o instante decisivo!
São caros alguns preços cobrados por certas posturas tomadas ao longo da vida. Com a fotografia não é diferente. Recebida com entusiasmo por vários artistas e intelectuais no século XIX, foi muito elogiada em função da rapidez com que alcançava seu nobre objetivo de registrar a realidade visível. Naquele ambiente de revolução artística, social e principalmente industrial surgiu a fotografia com sua produção automática, seriada e rápida, bastante adequada à lógica capital da revolução do século XIX, como discute Rouillé (2009).
Como qualquer invenção tecnológica, a fotografia também surgiu a partir de métodos anteriores de representação do mundo visível. Técnicas e aparelhos como a câmara escura, base ótica e luminosa da câmera fotográfica, panorama e diorama são muito anteriores à fotografia e já demonstram o interesse de artistas, cientistas e outros curiosos em busca da imagem fidedigna da realidade visível.
Apesar do registro oficial na França por Daguerre em 19 de agosto de 1839, diversas outras pessoas declararam-se inventoras da fotografia, inclusive com disputas judiciais. Na própria França, o pioneiro nas pesquisas sobre fotografia foi Niépce, conhecido por ter fixado a primeira imagem fotográfica já em 1826. Outra figura importante foi Fox Talbot, cientista e inventor inglês, precursor do método positivo-negativo e outras invenções relativas à fixação de imagem, autor do famoso livro The Pencil of Nature, de 1844, reconhecido como primeiro livro ilustrado com fotografias, no qual o método era explicado em detalhes técnicos e discutido sobre usos sociais pro futuro. E sempre cabe ressaltar a importância do também francês Hercule Florence, ilustrador e inventor que escolheu o Brasil para morar e desenvolver suas pesquisas e invenções, e que já em 1833 conseguiu alcançar resultados fotográficos bastante satisfatórios.
Este breve histórico é válido para relembrar que se vivia a revolução industrial, quando técnicas de produção em série estavam em evidência, e no âmbito da arte era possível perceber a decadência do romantismo e instituição do naturalismo, movimentos artísticos nos quais a fotografia também influenciou positiva e negativamente.
De toda forma, era um momento onde o dom do artista era bastante valorizado. Uma boa obra de arte viria do exaustivo envolvimento do autor com aquela obra, de uma relação profunda, de lapidação constante, complexa e demorada. Uma boa obra de arte não seria resultado somente do domínio técnico, não poderia ficar apenas na superfície, mas precisava alcançar a essência do artista, sendo resultado de suor e lágrimas, de emoção sensível expressa a partir de capacidades artísticas (quase) únicas dos (iluminados) artistas.
Com tudo isso foi fácil, e relativamente coerente, receber a fotografia como uma “arte menor”, resultado principal de apuro e domínio técnico cujo auge era “apertar um botão”. Um preço alto a se pagar por muitos anos, quiçá até hoje. É válido lembrar ainda da importância do surgimento da Kodak nesta época e seu slogan de 1888: “você aperta o botão, nós fizemos o resto”. De certa maneira a Kodak representou a primeira efetiva popularização da fotografia com o lançamento de máquinas mais práticas, ágeis e fáceis de manusear, sem exigir do fotógrafo os tratamentos químicos ao filme e ampliação.
Pouco tempo depois, no início do século XX, o mundo seguia em intensa transformação colhendo frutos da revolução industrial e disputas internacionais, com forte desenvolvimento de áreas como a comunicação social, o transporte e, claro, as artes que, neste período, possibilitaram o surgimento das vanguardas artísticas. Cubismo, dadaísmo, surrealismo e outras vertentes vanguardistas tiveram relações mais ou menos próximas com a fotografia, inclusive incorporando-a a partir das negações de movimentos e artistas anteriores sobre seu potencial artístico. Este foi o caso do futurismo, que valorizava as transformações sociais em curso com ênfase à dinâmica e ao movimento das máquinas e da própria sociedade, culminando em práticas como a do fotodinamismo futurista.
Foi neste ambiente complexo que a fotografia gradualmente instituiu-se como ferramenta em diferentes áreas da sociedade e na virada do século, com as renovações intrínsecas a qualquer “virada” temporal marcante, a fotografia também passou a se conhecer melhor, a buscar novos espaços, usos e praticantes. Mais do que marcações temporais, interessa aqui ressaltar a ampliação das suas áreas de atuação. Fotografia publicitária, artística, de moda, jornalística e outras nem sempre tiveram momentos de “inauguração”, embora alguns acontecimentos tenham incentivado mais alguns segmentos do que outros.
Foi o caso do fotojornalismo, bastante desenvolvido a partir das guerras mundiais, em especial a segunda, quando diversas técnicas e ferramentas de comunicação passaram a ser usadas por representantes de países de ambos os lados para defender suas posições e, de certa maneira, manipular a opinião da sociedade. Neste contexto, a figura de Henri Cartier-Bresson é um caso clássico.
Nascido em 1908, teve contato com artes visuais já jovem, com ênfase à pintura e à própria fotografia, e a elas dedicou toda sua carreira. Bresson foi um dos principais nomes da agência Magnum, coletivo de fotógrafos criado em 1947 com foco no fotojornalismo, que contou com outros grandes nomes como Robert Capa e David “Chim” Seymour, e existe até hoje. Bresson merece ser pontuado pois além de diversas fotos clássicas também se dedicou bastante à reflexão e escrita sobre a fotografia, seja em registros das suas inúmeras viagens de campo mundo afora, seja em artigos e trabalhos mais aprofundados. Aliás, paradoxalmente Bresson distanciou-se da fotografia ao final da sua carreira, voltando aos estudos de arte e à discussão teórica sobre foto.
Uma das suas grandes ideias sobre a fotografia é a do instante decisivo, que no fotojornalismo acaba tendo ainda mais importância, visto que algumas situações de fotografia não podem ser repetidas. Segue-se aí a mesma lógica do fotógrafo “no lugar certo e na hora certa”, o que faz muito sentido ao se buscar um registro da realidade factual, mas que não se aplica tão bem a outras áreas da fotografia.
Pior do que isso, a ideia do instante decisivo, apresentada e discutida por Bresson em diferentes trabalhos, acabou sendo algo deturpada ao longo do tempo podendo levar ao entendimento equivocado de que tudo na fotografia se resumiria ao “click”. Se o fotógrafo estivesse no momento e espaço certos, com atenção ao “instante exato” de se fazer a foto, o resultado estaria garantido. Mas isso nem é verdade em diversas áreas da fotografia, como também não era a ideia de Bresson, pois o instante ao que se referia não era o do acontecimento em si, mas o equilíbrio visual e geométrico das formas – linhas, pontos, texturas, sombras etc. – da própria fotografia.
O resultado ao longo dos anos, também carregado pela valorização do fotojornalismo na segunda metade do século XX, foi um exagerado apego dos fotógrafos em geral, e do público, ao dito momento mágico, onde tudo se resolveria e se resumiria em um breve instante. Claro é que algumas imagens fotográficas têm sua excelência nestas bases, recorte exato e exímio de tempo e espaço, mas isso não ocorre na maioria das fotografias, é fácil perceber.
Neste sentido, carrega-se no pensamento fotográfico até hoje, no Brasil e no mundo, certa valorização excessiva do momento do click e da figura do fotógrafo que, ao ser possuidor de um dom divino, poderia encontrar e registrar adequadamente este momento.
Curtiu?
Tudo isso e muito mais daqui a pouco nesse livro que promete ser lindo e cheio de boas histórias:
Até lá… bons clicks e boas leituras pra todo mundo!