Aprendi fotografia sozinho, lendo livros importados e praticando a tentiva e erro”.
Se você se interessa pela biografia de grandes fotógrafos nacionais, com certeza já leu ou escutou uma afirmação como esta. Casualmente esta é fictícia, inventei agora, mas cabe perfeitamente à trajetória profissional de diversos fotógrafos de mão cheia e click certeiro.
Em um passado não tão distante, digamos menos de 10 anos (detalhe importante: este artigo foi publicado originalmente em 2010), estudar fotografia exigia um enorme esforço autodidata, como fizeram os autores de declarações semelhantes à minha, ou a busca de um curso que, em algum momento, teria algumas disciplinas de fotografia no currículo. Jornalismo, publicidade, arquitetura e artes são alguns deles, nos quais os alunos precisam adquirir e desenvolver conhecimentos de outras esferas para só então ter algum contato com o aprendizado da fotografia propriamente dita, muitas vezes de forma breve e superficial. Não se consideram aqui cursos rápidos de algumas semanas ou meses – cursos esses que também têm seu valor pelo conhecimento que propiciam –, mas sim de um ensino ainda mais teórico e aprofundado, aqui no Brasil normalmente associado à Academia, ou seja, à Universidade.
Que diversos grandes fotógrafos contemporâneos afirmem ter aprendido sozinhos certamente é louvável, e saber que hoje existem possibilidades bem mais eficientes é mais louvável ainda!
Se antigamente grandes fotógrafos conseguiram alcançar bons resultados “apenas” tendo a informação, ou seja, aprendendo sozinhos nos raros livros sobre fotografia, hoje em dia estas informações estão muito mais disponíveis seja em livros, cursos rápidos ou mesmo na internet (e muitas vezes de forma gratuita!).
Mais importante do que ter a informação é saber o que fazer com ela, esse é um dos frutos da sociedade da informação.
A sociedade atual exige mais capacitação e conhecimento, pois apenas ser competente em determinada área não é mais garantia de sucesso profissional e pessoal, como há alguns anos pareceria ser. A especificidade dos atuais cursos de graduação, seja aqui no sul do país, seja em todo território brasileiro, comprova isso. A SME, Síndrome da Medicina Especializadíssima, patologia que para efeitos deste raciocínio acabei de criar, parece ter se espalhado para todos os cursos.
Explico: médico é médico, mas cirurgião também é médico, ortopedista também é médico, dermatologista, da mesma forma, é médico, e assim por diante. Ou seja, conhecimentos gerais para todos e específicos para cada especialista, com o perdão da redundância. Na prática, quando se tem uma doença específica, busca-se um médico específico, certo?
Assim, cada vez mais não basta termos o conhecimento “genérico” (ênfase às aspas) de um curso de graduação, pois nos são exigidos, além deste, os conhecimentos especializados de cada área. De certa forma, busca-se por “generalistas especialistas”: profissionais que tenham conhecimentos amplos e genéricos, mas que, ao mesmo tempo, tenham seu diferencial específico.
Isso em partes explica a proliferação de cursos de pós-graduação e a criação de inúmeros outros cursos de graduação inimagináveis há poucos anos. Porém, isso de forma alguma é pejorativo, muito antes pelo contrário. Você prefere um advogado que “entenda um pouco de tudo”, ou um que, além disso, seja especialista em Direito Civil, ou Penal, ou de Família, para resolver um problema civil, ou penal, ou de família?
Saber usar as informações acerca da fotografia acaba sendo a maior dificuldade dos aspirantes a fotógrafos. Apenas fotografar é “fácil”: diafragma versus obturador e algumas variantes aqui ou ali. “Pensar” a fotografia é muito mais difícil! Saber a importância da fotografia, analisar o ato fotográfico, o objeto fotografia, o equipamento, as novas tecnologias e o profissional fotógrafo acaba sendo muito mais complexo do que “apenas” fotografar.
E é pra contribuir em todos estes aspectos que temos, hoje em dia, os cursos específicos de fotografia, em âmbito tecnólogo, de graduação e pós-graduação. Neles, busca-se oferecer alguns conhecimentos genéricos – arte, sociedade, comunicação – e também diversos específicos da fotografia.
A vontade de aprender, a mesma que os autodidatas têm, é obviamente muito bem-vinda na Universidade. Conhecimentos técnicos de fotografia sobre equipamentos, suprimentos ou mesmo da prática profissional do fotógrafo, também. Estes, porém, se adquirem ao longo do curso; vontade há que se trazer de casa.
O que podemos desenvolver na Academia é a paixão por esta mídia fenomenal que é a fotografia. Analisar, teorizar, praticar, pensar fotografia são objetivos destes cursos acadêmicos, cujos professores com certeza gostariam de ter feito exatamente estes cursos, mas pelo simples fato de que não eram oferecidos, não puderam fazê-los (falo muito por mim, mas tomo a liberdade de assumir por vários colegas professores), e buscaram complementar seus estudos em pesquisas paralelas e cursos de pós-graduação, bem como através da prática profissional.
Por tudo isso, estamos criando uma forma de ensinar fotografia. Amantes e praticantes dessa arte, professores e alunos, todos juntos, estão reinventando uma “Pedagogia da Fotografia”. Precisamos separar nossas paixões fotográficas particulares dos temas e assuntos a serem abordados. Precisamos aproveitar a experiência dos professores e os conhecimentos prévios dos alunos, muitas vezes bastante aprofundados, para a construção do saber fotográfico entre todos nós. E nada disso é fácil. E ninguém disse que seria! E é por isso que ensinar e aprender fotografia só serve para quem encara grandes desafios.
Este artigo foi publicado originalmente na Revista Foto_grafia N. 2, em 2010, mas segue atual e pertinente.